Pelé escravo no cinema

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A revista O CRUZEIRO de 23 de junho de 1971 publicou em sua capa com exclusividade uma chamada para o filme que Pele estava gravando.

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Êle está novamene diante das câmaras.

Não como o ídolo que se fêz no futebol, mas para viver a figura do abolicionista Chico Bondade,  no filme A MArcha. (escrito como o original)

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Numa fazenda do interior de São Paulo, Pelé, sorridente, cercado por uma dezena de crianças dá autógrafos. Veste uma calça azul, brusa de couro e tem um lenço amarrado ao pescoço.

Logo depois, seu rosto apresenta um ar preocupado e amedrontado. Descalço e vestido apenas com uma calça de listas vermelhas, tenta libertar um outro negro que está bastante ferido. Êle deixou por algum tempo de ser o Rei do Futebol para encarnar o papel de Chico Bondade, no filme A Marcha.

– Vamos começar tudo de nôvo.

O ensaio saiu muito bom.

Oswaldo Samapaio vai filmar mais uma cena. É a primeira experiência de Pelé como artista de cinema, sem representar a sua própria vida. êle vive o personagem principal de um filme sobre o abolicionismo em São Paulo.

A plaquette é colocada diante da câmara: A Marcha, direção de Oswaldo Sampaio – direção de fotografia Bob Huke – Externa – Noite – Seqüência 69 – Plano 6 – Tomada 1.

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Pelé aprendeu capoeira e estudou bastante o script para desempenhar o seu papel. Dois dias da semana, filma em Bragança, na “senzala da Fazenda Santana”

A cidade de Bragança foi transformada na São Paulo de 1887. Os técnicos vão criar até uma garoa.

Uma revelação

O enrêdo foi adaptado livremente do livro do mesmo nome de Afonso Schmidt. Dois personagens se tornam lendários e se destacam pela audácia em libertar os negros cativos:  Chico Bondade (Pelé), um escravo fôrro e Boaventura (Paulo Goulart), um branco doutorando em Direito.

O cenário natural é a senzala da Fazenda Santana. O relógio marca sete horas da noite e muita gente esfrega as mãos, porque o frio é intenso. O diretor de fotografia, o inglês Bob, que veio especialmente de seu país para êste filme, toma posição atrás da câmara. Chico Bondade vem de nôvo caminhando, olhando desconfiado e vigilante para todos os lados. Abre com cuidado o cadeado da senzala e sai com o escravo Terêncio (Francisco Egídio). Lá fora, assobia o sinal combinado para avisar aos seus companaheiros que podem avançar. A cena prossegue.

Oswaldo Sampaio, vestindo um capote e com um chapéu enfiado na cabeça, volta a esfregar as mãos. Agora não é de frio, mas de contentamento pelo desenrolar das filmagens. Exclama:

– Excelente. Pelé tem sido uma revelação como eu esperava. Êle acerta tão bem as marcações no chão como chuta certo em gol.

Pelé corre para um canto. Veste um capote e calça um chinelo e vai para o lado de Rose, sua espôsa. Conversa com ela. Daqui a pouco retornará para frente das câmaras e filmará outro plano.

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Chico Bondade cavalga à frente dos escravos que vão para o pelourinho. À sua direita, está Terêncio (Francisco Egídio), que depois de açoitado êle libertaria.

Um ator Puro

Para se transformar em Chico Bondade, Pelé foi obrigado a aprender capoeira e estudar, durante alguns meses, o seu script. Agora que as filmagens já começaram, vai precisar de muita resistência e fôrça de vontade para dividir o seu tempo entre jogador de futebol, homem de negócios e ator de cinema. Tôdas as segundas e quintas-feiras êle estará em cena na Fazenda de Vista Bela, em  Bragança Paulista.

A cidade interior paulista, além de ter a fazenda, que retrata com fidelidade o período de novembro de 1887 a março de 1888, servirá de cenário para São Paulo antiga. Oswaldo Sampaio, depois de seis meses de pesquisas, concluiu que o local era o ambiente ideal para realizar, como considera, a primeira superprodução brasileira, pois “vamos gastar 800 mil cruzeiros”.

Entre as curiosidades que Sampaio descobriu para reconstruir o ambiene de A Marcha, estão alguns dados sôbre a capital paulista em fins do século passado: 64.934 habitantes, 42 sobrados, 48 médicos, 14 alfaiates e duas fábricas de fósforo.

Mas o filme não usará apenas recursos naturais. Entre outros detalhes técnicos a serem empregados, figura a criação de de uma garoa de São Paulo pelo processo de gêlo sêco.

O filme está previsto para ser concluído em 84 dias, mas alguns acreditam que deverá se estender por mais tempo. Nas cenas de grande caminhada, serão utilizados 1.150 fugurantes, além  dos atôres de destaque – Pelé, Paulo Goulart, Nicete Bruno, Francisco Egídio, Vera Sampaio, José Policena, Goulart de Andrade, Ricardo Campos, João José Pompeu, Lola Brah, Euthinea de Morais, Lutgero Luiz, Deoclides Gouveia e Henricão. As filmagens são em Eastmancolor, e quando A Marcha fôr exibida, terá cerca de duas horas de projeção.

Para Pelé seu desempenho neste filme é um acontecimento que poderá mudar sua vida. Êle já fêz novela em televisão (onde o diretor diz ter descoberto o talento do craque) mas não considera um trabalho sério.

– Esta experiência em cinema poderá decidir sôbre o meu futuro como ator. É uma coisa que eu gostaria de fazer quando abandonasse o futebol.

No entanto, enquanto Pelé tem dúvidas sôbre a sua capacidade de representar, o direitor Oswaldo Sampaio não esconde seu entusiasmo – e o  demonstra a todo instante – a respeito das qualidades do nôvo ator. No cinema des 1933 – foi um dos fundadores da Produtora Vera Cruz e ganhou, em 1953, um Leão de Prata no Festiva de Veneza, pela direção de Sinhá Môça – sabe o que diz.

– Só acredito em dois tipos de atôres: o qque é formado por uma boa escola e o ator puro. Pelé pertence ao último tipo e está se saindo na melhor forma possível.

No filme, Pelé participa de 2/3 da ação, disfarçando-se em escravo para libertar um cativo ou em padre para  despistar a polícia. Apesar da falta de tempo e de ser solicitado para muitos compromissos, êle não desanima e parece disposto a marcar mais um gol fora do campo.

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